Bicentenário da Independência do Brasil

E os desfiles voltam às ruas. Na atualização dos últimos anos – hoje, estamos em setembro de 2022 – o personagem dessa história está com 90 anos, comemorado no último mês de agosto, com toda vivacidade e energia tal ou igual quando formava os aspirantes a músicos militares. E as lembranças voltam lá atrás…

Ter memórias nada mais é do que voltar no tempo. Fui lá … E se fechar os olhos lembrei da configuração da tropa antes da apresentação. De espectadora, me imaginei do outro lado. Daquele momento que a banda militar entra em formação, os homens à frente, perfilados, com os instrumentos musicais em posição. Vem o tremor no dedo e um frio no estômago, mesmo nos mais experientes. Afinal, nas palavras de cientistas, a música permite fluir emoções que até os mais fortes e os mais treinados sentem quando dá aquela explosão no cérebro, igual a fogos de artifício. Da primeira a última nota, somente à espera da batuta levantar.

E foi diante de uma cena muito parecida como esta, que o atual Capitão reformado Antonio da Silveira, 88 anos (*90 anos em 2022), passou boa parte de sua vida. Sua trajetória é rica de experiências. Não somente musical, mas de empatia por seus subordinados e colegas. Não tem um que não se emocione ou que traga boas recordações de um tempo que passou, mas é tão presente nas lembranças dos meninos que se transformaram em músicos militares.

Através de depoimentos enviados em áudios, vídeos e mensagens de texto, foi possível perceber o motivo do apelido dado ao período que antecede o aniversário do Capitão como Semana ou Era Antoniana. O militar que chamam de pai, comandou a banda do 18° Batalhão de Infantaria Motorizado, em Porto Alegre, no final da década de 70. “Só quem viveu, sabe como foi”, pontua um dos militares. “Um grande professor em tudo. Na tristeza, na alegria (…) quando tive uma mão amiga que me sustentou muito”, comentou o Sargento Daniel Cardoso Ferreira, conhecido como Ben-te-vi. Um dos colegas que serviu com o Capitão Antônio como sub-tenente no 3.º Regimento de Cavalaria de Guarda, em Porto Alegre, e depois até o final da carreira no 18° Batalhão de Infantaria Motorizado lembra: “Tudo que aprendi como músico e como homem, tenho gratidão a ele. (O Capitão) Nunca deixou de atender a ninguém, mesmo que a primeira palavra fosse o ‘não’. Era dar meia volta e se escutava: ‘Tu vai. Amanhã, esteja aqui para a chamada’.”

E lembrei de algo que ouvi certa vez sobre militares veteranos ou que entraram para a reforma sobre a importância de um tempo vivido. “A farda não é uma veste que se despe com facilidade ou até com indiferença. É outra pele que adere à alma. Irreversivelmente para sempre.” Com certeza.

“Eu vou sentir saudades dessa
gente amiga. Caxias, Garibaldi (…)
porque recordar é viver… “

Dobrado Sinfônico em homenagem a Padre Reus.

TRAJETÓRIA
O Capitão Antonio da Silveira, 90 anos, nasceu em Porto Alegre, no dia 15 de agosto de 1932. Filho de José Antônio da Silveira e Irácema Oliveira da Silveira, teve no pai o professor e o incentivador para a música, como componente da Banda de Música do Terceiro Batalhão da Brigada Militar, do Rio Grande do Sul.

No tempo regulamentar do Serviço Militar, Antônio prestou serviço no Sexto Esquadrão REC Mecanizado. Mas, o interesse musical o levou a prestar concurso na Banda de Música da Escola Preparatória de Porto Alegre, em 1953. Ao passar no concurso – um ano após o cumprimento do serviço obrigatório militar – foi incorporado na banda como Cabo Músico.

Em 1964, foi para o Rio de Janeiro para continuar sua escalada militar ao prestar concurso a Primeiro Sargento Músico. Foi classificado em primeiro lugar. No início de 1965, iniciou o estudo de Harmonia com o professor Enio de Freitas Castro e o Maestro Alfred Hursberg. Dois anos depois, voltou a capital fluminense e mais um concurso veio incorporar ao currículo com o título de Mestre de Música do Exército. Foi nessa ocasião, que devoto de Padre Reus, fez a promessa de compor um dobrado sinfônico em homenagem ao padre jesuíta. A obra é intitulada como “Padre Reus”.

Em janeiro de 1971, foi aprovado no vestibular do Curso de Composição, Regência e Licenciatura em Música, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1976, recebeu o título de subtenente. Até 1979, permaneceu no 18.º Batalhão de Infantaria Motorizado e transferido, na sequência, para o 3.º Regimento de Cavalaria de Guarda, em Porto Alegre. Em 1982, foi promovido a 1.º Tenente e em junho de 1984, atingiu o posto máximo da carreira com a promoção a Capitão, permanecendo no Batalhão Arranca Toco, 18.º Batalhão de Infantaria Motorizado. Em 1987, recebeu a Medalha Militar de Ouro pelos 30 anos de serviço ao Exército.

E nessa vasta trajetória, o Capitão Daniel Sábio Meireles lembra que o Capitão Antonio foi além de músico militar. O amigo pessoal ajudou na formação de muitos jovens no Colégio Militar, conhecido na época como o Casarão da Várzea e Colégio dos Presidentes. Muitos desses alunos, chegaram ao Generalato, posto mais alto das Forças Armadas. Recorda também que o Capitão foi músico instrumentista em orquestras de rádio de Porto Alegre, em companhias de Teatro e participou de muitas outras atividades culturais. Entre suas obras, teve a participação no Hino Porto Alegre.

Atualmente, continua produzindo. No canal que mantém no Youtube com o nome de Anthony Silverman tem diversas músicas para serem prestigiadas. Entre elas, o Minueto em homenagem ao Padre Reus.

O DIA A DIA

Como todo grupo – e no Exército mais vísivel – eles eram unidos. Uma das expressões que surgiu na banda, o Capitão Antonio será lembrado como “vai pegar a briga ou não?” diante de algumas decisões que refletiam o sentimento de grupo. Era naquele momento, quando ele colocava a batuta embaixo do braço e ia até o comando “comprar a briga” pela banda e pelos seus, que se percebia o comando e empatia. O objetivo dessas intervenções era sempre melhorar o dia a dia daqueles que via como filhos.

O sub-tenente Luis Basso do Nascimento, na época soldado, conta que era para ter assumido a função de corneteiro. No entanto, foi chamado para a banda pelo então Segundo Tenente Antônio. O reconhecimento profissional significou muito porque, na época, tinha recém perdido o pai. “Meus filhos são seus netos”, diz emocionado, em áudio.

Outro subordinado da banda, o Sargento Gilberto Shimit Fernandes, vai mais longe. Lembra do agradecimentos dos pais pelo Capitão o ter amparado e o transformado em um soldado com honra. “Na década de 1980, foi o que nos deu um ombro, um amparo, um ensinamento, uma correção e, até mesmo quando necessário, uma punição.”